Uma comunidade de forró criada do zero

(do ForróLetters #4)

O forró está muito presente fora do Brasil, e até existe em alguns lugares onde menos se espera, como no caso da Turquia, onde uma pequena comunidade se reúne todas as semanas em Istambul para dançar! Esta comunidade existe graças à paixão de duas pessoas: Bengü Gün e Murat Ünsal.

Já dançando salsa, Bengü teve o seu primeiro contacto com o forró em 2010, durante uma viagem ao Brasil, e gostou logo do forró. Murat descobriu o forró quando vivia em Estugarda, na Alemanha, há 9 anos. De volta a Istambul em 2014, começou a procurar pessoas que praticassem esta dança. Uma coisa levou à outra e os amigos apresentaram-no a Bengü.

Durante algum tempo, Bengü e Murat dançaram juntos, mas depois chegou a altura de expandir a comunidade. Havia muitas aulas de capoeira em Istambul, mas nenhum professor de forró, nenhuma festa.

Muito naturalmente, começaram a dar aulas: a amigos, depois a amigos de amigos…. Gradualmente, a comunidade foi crescendo. Os cursos de duas em duas semanas tornaram-se um hábito, uma norma. E, vendo vídeos para enriquecer a sua dança e ensinar os movimentos, convidando professores da Europa, conseguiram criar uma comunidade de forró a partir do zero. Em 2014, quando iniciaram a comunidade em Istambul, esta era constituída por 60 a 70 pessoas.

Uma comunidade colaborativa e unida

Hoje, mesmo que centenas de brasileiros vivam em Istambul, eles raramente visitam a comunidade do forró. Ao contrário de outros locais na Europa, a comunidade do forró turco é quase exclusivamente constituída por turcos e alguns estrangeiros. Não há bandas de forró, por exemplo, e as festas são, portanto, principalmente com um DJ ou com listas de reprodução que os membros da comunidade partilham.

Talvez seja esta, em parte, a razão pela qual esta comunidade é tão especial e tão fortemente baseada na colaboração. Vive através de pessoas apaixonadas que têm de se investir para que continue a existir. De facto, Murat e Bengü tornaram-se professores, não pelo dinheiro, mas para poderem continuar a dançar e a partilhar a sua paixão. Por exemplo, quando trouxeram um professor do estrangeiro, os custos foram partilhados por toda a comunidade.

Como explica Talha Bolat – representante da Federação na Turquia, dançarino desde 2018 e DJ nas festas de forró: “Pode parecer cliché, mas somos mais do que amigos de dança. Somos amigos íntimos. Para além de nos encontrarmos em festas de dança, vamos de férias juntos; passamos tempo juntos. Há três semanas, 20 de nós fomos esquiar, por exemplo”.

E o forró também permitiu que Bengü e Murat se conhecessem… e se casassem!

Não são os únicos, já há três casais em Istambul que se uniram graças ao forró.

Visita gastronómica durante o festival Forro a la Turca em Istambul – edição de 2019. Crédito: Charlotte Lebouvier

Todo este cuidado é algo que sentimos quando vamos dançar em Istambul. Durante a edição de 2019 do festival Forró à laTurca, por exemplo, os organizadores tinham planeado city tours sem fins lucrativos, para apresentar Istambul aos forrozeiros, e a equipa foi muito atenciosa, preparando comida típica turca entre as aulas. O festival prolongou-se mesmo, de forma não oficial, vários dias após o seu fim oficial, com festas organizadas à última hora, e as pessoas presentes sempre prontas a participar!

Dançar forró num país islâmico

Uma questão que se pode colocar é se o forró é bem aceite num país islâmico. Bem, Talha, Bengü e Murat concordam que Istambul é uma cidade cosmopolita, onde pessoas de diferentes origens, línguas e religiões vivem lado a lado, e não se lembram de ter tido comentários negativos.

Para quem foi ao festival Forró à la Turca em 2019, o show ao ar livre e aberto a todos provou que o forró é visto como uma curiosidade, onde as pessoas param para ouvir a música e ver as pessoas dançando.

Mas, claro, se já dançou no Brasil, verá que as pessoas dançam muito mais perto no Rio do que em Istambul!

COVID, crise económica, guerra na Ucrânia: as dificuldades que a comunidade enfrenta

Atualmente, devido ao contexto atual, um dos principais desafios é tornar a comunidade mais dinâmica.

Natalie Hideg, uma franco-americana que descobriu o forró enquanto vivia em Paris, veio viver para Istambul em 2015. Faz agora parte da equipa de organização em Istambul e explica que o que a motivou quando entrou foi toda esta energia: os intercâmbios com os professores vindos do estrangeiro, a organização dos festivais, etc.

Antes da recente guerra, a Ucrânia e a Rússia mantinham grandes trocas comerciais com Istambul. Os turcos não precisavam de visto para ir a festivais na Rússia, por exemplo, e havia uma pequena comunidade de forró em Kiev, cujo representante está a lutar contra a invasão neste momento. O que vai acontecer a seguir é ainda incerto em relação a estes dois países.

Sem estes diferentes intercâmbios, os bailarinos ficam mais isolados e torna-se mais difícil progredir e aprender novos movimentos ou estilos. Para além da pandemia, a atual crise económica na Turquia (com a desvalorização da lira turca e a forte inflação) torna extremamente difícil trazer professores ou pagar festivais na Europa.

Há também a questão de encontrar novos estudantes, para fazer crescer a comunidade. Dois anos de COVID não deixaram muito espaço para nos reunirmos e dançarmos ou darmos aulas.

Então, o que é que se segue?

Os serões semanais aos domingos estão de volta há alguns meses, e Bengü e Murat devem retomar as aulas muito em breve! Quanto às outras cidades da Turquia, uma pequena comunidade de alguns dançarinos continua presente em Ancara (capital da Turquia), mantendo fortes laços com a comunidade de Istambul.

Talha espera instalar-se no Brasil no final de 2022, para melhorar as suas capacidades de dança e aprender português do Brasil!

E estamos a cruzar os dedos para que, em breve, haja outro fantástico festival Forró a la Turca na Turquia!